domingo, 29 de agosto de 2010

Um instante

Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente

Ferreira Gullar

domingo, 22 de agosto de 2010

E como não dormi... poesia!


Quando uma pessoa vive de verdade, todos os outros também vivem!


Biografia Secreta


Quando eu era menina,

Meus sapatos nunca serviam;

Bolhas de um rosa vivo nos calcanhares.

Não me lembro: será que meus sapatos

eram muito apertados

ou eram grandes demais?


Com o chapéu nas mãos, os coitados dos meus pais

perguntavam ao médico: "Tudo certo com ela?"

"Problemas com os pés", dizia o médico.

"O defeito é grave".

E assim meus pais gastavam seu dinheirinho

em sapatos reforçados

para os pés defeituosos.O médico ameaçava:

"Ela nunca mais pode andar descalça!"


Nos sapatos de chumbo, eu acidentalmente atingia

o lado de dentro dos tornozelos

ao correr ou andar -

os sapatos faziam meus joelhos baterem um no outro,

com os ossos estalando, os tornozelos sangrando.

Mas sem aqueles sapatos, sem nenhum sapato,

os cachorros e eu corríamos como o vento.


Toda criança tem uma vida secreta

longe dos adultos.

E assim, no verão ou na neve,

não fazia diferença, eu escapulia

para uma das verdes salas do trono

na floresta, e lá eu desatava

os mil cordões dos sapatos de ferro,

fazia força para abrir os canos altos e duros,

e arrancava aqueles sapatos de deuzentos quilos

que poderiam atingir e matar uma mula.

E então eu só ficava ali sentada,

uma menininha cantando alto lá-lá-lá

enquanto meus pés balançavam descalços, a escutar.


Forçada de volta

àqueles sapatos ano após ano,

foi então que comecei a planejar

amputar meus pés

só para ver o médico desmaiar,

só para refletir sua visão brutal

de como deveriam ser pés "sem defeito".

"Não andará direito pelo resto da vida ", disse ele.

É grave. Muito grave", disse ele.

Uma vez ouvi uma mãe rica

dizer à filha toda arrumadinha

num banheiro público

onde se pagava dez centavos

para usar o sanitário limpo

em vez de sujo:

"Não deixe seus pés se alargarem;

use sapatos o tempo todo,

até quando for dormir...

Não tenha pés comuns",

aconselhou a mãe.

Fiquei cismada... "mas o pé comum é tão...

bem, é tão bom ele ser comum, não é mesmo?"


"Não!Ela não tem arco nenhum", disse o médico...

"É grave. Muito grave", disse ele.

Aqueles sapatos de ferro... para impedir

meu arco de tocar no chão

"... como uma índia de pés chatos", disse ele.

"Mas meus antepassados", murmurei...

"Eu sou uma índia de pés chatos", disse eu.

E mais tarde, já adulta, ao ver

minhas ancestrais

e seus pés de solas gordas,

eu soube que meus pés foram criados

para andar por campos de lavoura,

para cobrir quilômetros na terra batida noe scuro,

para ingerir nutrientes da terra

direto através das solas,

e para andar empertigada, deslizar

e girar na roda da dança.


Mas naquela época, nas chamadas

"boas maneiras do interior",

o spés das mulheres

costumavam ser criados para tornarem-se

pequenos sacrifícios humanos,

mantidos pequenos demais,

não sem peias,

mas, de certo modo, sem pés.

Incapazes de correr

morro acima,

morro abaixo ou

... de fugir.

Revela-se...

que era exatamente esse o objetivo.


Mas meus pés fugiram comigo

neles de qualquer modo.

E hoje, nada de sapatos reforçados

para me fazer "andar direito",

pois com eles ou sem eles, não importa,

eu nunca andei direito;

... até mesmo hoje, seguindo pela rua,

eu dou uma guinada,

de repente querendo ver alguma coisa,

me juntar àquela marcha,

recuperar essa noite,

falar com alguma pessoa ou algum bicho,

fazer um desvio até uma flor que cresce

através das pedras,

abaixar para falar com uma criança

sobre a ocupação importantíssima

de caçar coelhos para obter créditos acadêmicos,

eu só parar e balançar diante de um amado.

Meus pés e pernas pertencem Àquele que Dança

que também possui meus quadris...

e os sapatos corretivos não

corrigiram nada

que fosse mais necessário para minha Alma.

Todos os ritmos mais importantes,

os jeitos de parar e os passos largos

permaneceram "sem conserto".


Agora, acho que os sapatos talvez sejam

uma das minhas formas cruciais de arte.

Espero que por fim seja aceitável

que eu com frequência use

os tipos de sapatos mais descabidos

e às vezes irreverentes

que sejam possíveis. Por favor,

posso ver os pretos

com rosas vermelhas, aqueles

com tiras que se enrolam e se enrolam no tornozelo,

aqueles com laços atrevidos no calcanhar,

minhas botas de motociclista com biqueira de aço

ou os mocassins de camurça que me deixam

sentir até uma simples semente debaixo da sola?

Acho que por fim chegou a hora

- e sem consultar qualquer médico -

em que posso também andar descalça

sempre que possível,

para que possa realmente enxergar e ouvir...


ESTÉS, Clarissa Pinkola. A ciranda das mulheres sábias. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. p.116.

sábado, 21 de agosto de 2010

Acordar com poesia e dormir com um conto

"Viver é muito perigoso.
Querer o bem com demais força,
de incerto jeito, pode já estar
sendo querer o mal, por principiar.
Esses homens!
Todos puxaram o mundo para si,
para consertar consertado.
Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo"

Guimarães Rosa

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Eu, Patty, Tento conhecer a mim mesma através de meu autor

Há muito tempo eu andava querendo desnudar meu autor. Não sei se ele vai deixar, mas vou tentar.
PATTY - Em primeiro lugar, gostaria de saber se sou homem, mulher e travesti.
PEDRO - Você é mulher, naturalmente. Uma mulher que nunca dorme, mas afinal de contas uma mulher.
PATTY - E por que não durmo? Existem soníferos que fariam qualquer mastodonte roncar. O Roipnol, por exemplo; ouvi os junkies falarem muito bem do Roipnol.
PEDRO - Você não pode dormir porque, para você, o sono significa morte.
PATTY - Pois há pessoas que em estado de catalepsia fazem coisas muito interessantes. Ou pessoas que aproveitam o fato de serem sonâmbulas para se divertir.
PEDRO _ Ah, é? Quem?
PATTY - Um personagem de Copi, por exemplo. è uma mulher que se faz de sonâmbula para transar muito, e depois ela pode dixer que estava dormindo e que não se lembra e não tem culpa de nada.
PEDRO - Então era mentira que estava dormindo. Por que você quer dormir?
PATTY - Não sei. Ouvi outros personagens comentarem que entre uma trepada e outra as pessoas tiram uma soneca.
PEDRO Você não precisa, pois é cheia de vida. O sinal de nossos tempos é a vertiginosidade, a atividade frenética. E você é uma garota típica de nosso tempo.
PATTY - Ultimamente você anda mais preocupado com o meu coração doq ue com a minha xoxota. o que está acontecendo?
PEDRO -Acho que sinto a necessidade de um amor absoluto. Ultimamente proponhoa todo mundo que se case comigo. E é sério.
PATTY - Então sou um simples reflexo seu, essa coisa horrível que se chama "alter ego"?
PEDRO - Não, vocÇe é uma fantasia dos leitores. è o que os leitores gostariam de ser.`
PATTY - Você lê as minhas memórias?
PEDRO - Leio uma vez para ver quantos são os erros de impressão e depois me desesperar.
PATTY - Que dizer qu você também é um leitor. Ou seja, voc~e também gostaria de ser como eu.
PEDRO - Gostaria de ter a sua espontaneidade e seu senso positivo da vida.
PATTY - Escute, por que você não faz uma série de televisão comigo?
PEDRO - Seria difícil encontrar uma atriz.
PATTY - Acho que Morgan Fairchild faria muito bem o papel.
PEDRO - Não, você é mais sexy. Além disso não creio que Morgan Fairchild estivesse disposta a chupar tantas picas. E com certeza na televisão também não permitiriam.
PATTY - Nem nas particularidades?
PEDRO - Não creio.
PATTY - Fale mais de mim, enquanto faço uma coisinha para você.
PEDRO - Não quero que você me faça nada.
PATTY - Diga do que você gosta. Eu me dou bem com tudo.
PEDRO - Fique quieta. Se eu quiser me masturbar, vou saber muito bem como fazer.
PATTY - Como é que você faz?
PEDRO - Sou essencialmente voyeur.
PATTY - Como em Dublê de corpo, o filme de Brian de Palma.
PEDRO - Não, gosto de ver a mim mesmo. Gostaria de filmar minhas próprias trepadas para vê-las depois.
PATTY - Qual a minha relação com Holly Golighty, Pepi e Fran Lebowitz
PEDRO - São suas primas irmãs. Antes de você existir elas já existiam, mas vocês são o mesmo tipo de garotas. Você é um pouco mais ordinária e menos patética.
PATTY - Faço algum esporte para me manter em forma?
PEDRO - Os esportes a aborrecem, inclusive os que estão na moda. Você se mantém em forma por si só.
PATTY - Ficar tanto tempo em pé não me dá varizes? Porque eu odeio varizes.
PEDRO -Você nunca terá varizes. O melhor em você são as pernas. Você é libra, como eu e Brigitte Bardot.
PATTY -Mas as suas pernas são mais parecidas com as de Addy Ventura do que com as de Brigitte. Addy também é Libra?
PEDRO -Não sei. Oscar Wilde também era Libra; provavelmente herdei as pernas dele.
PATTY - Não sei como eram as pernas de Oscar. Sempre prestei atenção no que ele dizia, mas nunca em suas pernas. Por que os homens realmente interessantes nunca são sexys, com exceção de Sam Sheppard?
PEDRO - Pois eu me olho no espelho e me excito.
PATTY - Isso é porque, como todo manchego, você é um rapaz muito prático. Mudando de assunto, eu tenho alguma ideologia?
PEDRO - Você gosta de transar e de ser admirada.
PATTY - O que eu quero saber é se eu sou socialista.
PEDRO - Não, mas voc~e não se importaria de transar com Felipe González.
PATTY - Então, em certo sentido eu sou socialista. Porque com Fraga, por exemplo, eu não iria para a cama, não é mesmo?
PEDRO -Não.
PATTY - E com Tamames e Enrique Curiel?
PEDRO - Com eles sim, inclusive com os dois de uma vez.
PATTY - Você acha que eu deveria propor isso?
PEDRO - Não creio que aceitariam. Você é despachada demais para os homens da esquerda.
PATTY - Bom, por enquanto resolva para mim o assunto do motorista de taxi parecido co o Robert Mitchum. Dele sim é que eu gosto.
PEDRO - Vamos ver.
PATTY - Pedro, acho que depois desta entrevista continuo sem saber nada de você.
PEDRO - Eu, no entanto, já sabia tudo de você.

ALMODÓVAR, Pedro. Patty Diphusa e outros textos. São Paulo: Mratins Fontes, pg.97.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A arte como agente de mudança social, agente de emancipação e educação

A educação é necessariamente um fator de emancipação. Numa época em que ciência e tecnologia rompem as barreiras do aqui e agora, visto que ruminamos o que consumimos e somos todos doentes, oneomaníacos competitivos, "guerreiros" desbravando a selva do capitalismo selvagem.
Agora nos apresentamos "globalmente", conforme a moda em voga, somos pontes, túneis, passaportes para um mundo "moderno", sem fronteiras.
Os efeitos negativos de um processo educacional que não desmascara ideologias, que não reconhece as falhas nas instituições, que fecha indíviduos em condicionamentos sociais é exatamente os mesmos efeitos negativos que sofrem nossas crianças quando são ensinadas sobre o "descobrimento" do Brasil por Pedro Álvares Cabral.
O mito do descobrimento permitiu o genocídio e etnocídio de milhares de populações ameríndias e ainda se faz estátua para serem colocadas nas praças e ainda soltamos foguetes comemorando a independência do Brasil dia 7 de setembro, que coincidentemente é dia do aniversário de minha filha Mayã (12 anos).
Ainda vivenciamos as mesmas eras de opressão, agressão e etnocídio? Na verdade seguimos a trajetória de uma história.
Por isso é preciso identificar a violência, em todos os níveis, do pessoal ao institucional, do interindividual ao integeracional, bem como nas mais variadas formas por ela assumidas e não só nas formas evidentes de violência armada.
O essencial é uma personalidade não-violenta.


Mahatma Gandhi afirma que não-violência e covardia não combinam. "Posso imaginar um homem armado até os dentes, mas que no fundo é um covarde. Mas a verdadeira não-violência é uma impossibilidade sem posse de um destemor inflexível".

Livro "borboleta" pára-raio de loucos

- Se li Pára-raio de Loucos?
- E acaso alguém seria insano o bastante a ponto de não lê-lo?

"Vejo borboleta como um escritor que seduz mais pelas suas imperfeições do que por tudo que sai elaborado e perfeito de suas mãos; posso mesmo dizer que a sua glória e a sua superioridade derivam extamente da sua impotência em finalizar, mais do que do seu abundante vigor. Sua obra nunca exprime na totalidade aquilo que gostaria de dizer exatamente, aquilo que desejaria ter visto perfeitamente: parece ter havido nele o antegosto de uma visão..."

Livro: Pára-raio de loucos
borboletaContos
Fábio Amorim de Matos (borboleta)
Editora Assis

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

De repente: sim!


De repente decidimos trans for Mar (Leminski em Elisa Lucinda)
Eu, tudo isso Sim por Cima
Lilith, Psiquê, Deméter, Sara Kali, Voismecê,
Odoyá!

Símbolos em cirandas
Vendendo ouro velho
Me disfarçando de cozinheira para entrar no bar e encher sua taça
Evoé!
Escutar Esnert Hello entusiasmado.

Traga o violão!
Sentada na escada
Susurrava: " - Me banhei de "shobu" para estar com você.

Por nós # 1 é equação
2 + 2 dar errado então
Eranos Jahrbuch
Sopro

Hórus?
Não, Isís ou Íris, quiero Eros perguntando através dos mortais aquilo que Marsial escreveu para mim
-Qual parte da frase vocês não estão entendendo?

Debaixo das asas!

Eu decorei e aprendi a voar...
Chico cantava "Afasta de mim esse cale-se!"
Laboratório dos sonhos
Com ON incidir de ir para o mesmo lugar comum.

Roberta Ferreira Roldão

Elfo


O mundo é redondo: quem correr mais rápido, vai mesmo chegar antes...
ao mesmo lugar!

Autor: Marsial Azevedo
Livro:Dentros

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Cheiro


Violinos
Umidade
Cheiro de almíscar e sândalo
Os brincos de âMbar negro escorriam do único PAR de olhos negros noturnos
Noite estrelada de caravanas em Guedra
2 pérolas escuras
Mel de Tendera nos lábios
No fogo um pequeno caldeirão com água de chuva e pó azul da Índia
A taça vazia ainda cheirava álcool de cereais
As últimas palavras da Durga era a respeito da próxima parada, em Beni Abbés
Na caverna estava guardado o sagrado perfume
Navegaríamos
Mulheres com seus lenços macios e coloridos cochichavam uma sinfonia de grilos
Sentada, no chão, imóvel, o portal se abriu, um leve enjoo
Era como se caísse em um túnel para baixo, cheio de ar mar rio
Corredores, gavelas falando a língua dos lagartos seres
Um odor de anis e absinto
Corredores que levam até animais silvestres trazidos da Ilha de Creta
Para entrar, o vento soprava uma língua antiga:

Pupulé on chal
Ta saró sundache sina men chiquén
presas sino aotal

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Pocas Borboletas Hoje no VINIL em Uberlândia - Triângulo Mineiro, uai!

D.N.A

Árvore Genealógica há lógica?
Não há lógica em minha árvore genealógica!
Tenho sangue português, espanhol, germânico, escosês, latino, comunista, burguês.
Escravo? de mulato!
Holandês?
Tenho mitocôndrias de mestiço...
Aminoácidos indianos fagocitando com iraquianos boiando,
nos excrementos norte-americanos.
A sinapse é mexicana
Coração peruano com átrio de uma cia tailandesa
Talvez cabelos africanos
a árvore
a semente
os ramos
a raiz
as folhas
da terra
que era o
ser
brasileiro.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Coletivo Megalozebu

Tem matéria no Blog do Coletivo Megalozebu

http://megalozebu.blogspot.com/

A Canção do Bailarino

Tu, que moves o mundo, agora
Moves também a mim
Tu me tocas profundamente e me elevas alto a ti
Eu danço uma canção do silêncio,
seguindo uma música cósmica
e coloco meu pé ao longo das beiras do céu
e sinto
como teu sorriso me faz feliz

Bernhard Wosien

domingo, 8 de agosto de 2010

S

Sinto muito se meu cinto saiu sem S
Permito-me e ao mundo errar
É que sem Clave de Sol
num dá

sábado, 7 de agosto de 2010

Canção nova desincorpora quem ora
O Sol diário e as caminhadas sem gelo
Café, pouco dinheiro, cantoria
Galos, ralos que transbordam cabelos zelos apelos elos da canção nova

A rima acima começa e volta
Abandono o passado
Presenteio-me com duas tragadas na tarde a gosto do acaso
Contigo, navegante errante, eu caso!
Porém o relógio inexistente bate na porta
Toc Toc, não pode entrar

Vem me ferir com seus desenhos de pele
Eu vi mesmo, sem consultar
Narciso atravessou o espelho
Deixa eu nadar até o lugar

Cenário de alma enlaçadora de mundos é o que a mente puder imaginar
Tanto ar pra encher esse buraco fundo, poesia virtual é foda (licença poética)
A verdadeira essência está no por vir
Me deixe ir pro final, preciso acabar
No instante em que posso além de gente ser pedra canto calor veneno cobra Jesus dente mago vento extrato rato coqueiro colchão do padeiro que era 2 gêmeos da nota fá

an DANÇAS

an DANÇAS
in lach in

Dança

Dança
Roberta Roldão

Colaboradores