Dedos leves
Olhos rápidos
Galopo no vento
E te distraio
Me alimento dos lapsos de pensamentos
Daquilo que ias falar
e se esqueceu!
Arrepio a nuca
Belisco orelhas
Sou mestre-cuca
Pastoreio ovelhas
Para uns sou invisível
Crianças podem me ver
Meu mistério indizível
É perguntar: Quem é você?
domingo, 26 de setembro de 2010
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Flor
E me arrancaram aos montes, vermelha, carnuda, direto pra dentro d eum copo com água gelada, jurando amor eterno, vivendo para sempre, pra nada.
De: Marsial Azevedo.
De: Marsial Azevedo.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Prefácio
Assim é que elas foram feitas
todas as coisas sem nome.
Depois é que veio a harpa
e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caiam no mar.
A voz s estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
depeendimentos demais
E tarefas muitas
Os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
Que as moscas iriram iluminar
o silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
que as moscas não davam conta de
iluminar o silêncio das coisas anônimas -
Passaram essa tarefa para os poetas.
MANOEL DE BARROS
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Raio
Todo Homem mata aquilo que ama (Oscar Wilde)
E todo homem esquece aquilo que mata.
E toda mulher ama aquilo que esquece.
De: Marsial Azevedo
E todo homem esquece aquilo que mata.
E toda mulher ama aquilo que esquece.
De: Marsial Azevedo
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Salamandras
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Fada
Fico os observando. Correm muito, sob o sol quente, olhos baixos, mas sedentos. parecem procurar algo SEMPRE. Algo distante, que com um pouco mais de menos, encontrariam dentro dos bolsos.
Dizem entre si que uns tem asas e sabem voar. Outros não.
Eu nunca vi, as asas, e voar mesmo só quando estão mais atrasados que o normal. (E ele sempre estão anormalmente atrasados...)
Sei lá, deve ser o jeito deles de dizer coisas sem sentido, buscando um rumo. Fazem muito isso.
Porque pra nós, ainda é assim: se dizemos asas, então as batemos atrás das costas, soltando magia no ar, tomando cuidado para não rasgá-las em algum galho, ou amassá-las contra o vidro de algum aranha-céu.
E se dizemos voar... bem, aprendemos isso com as estrelas e os pássaros, e acho que sabemos bem o que estamos fazendo, sempre.
De: Marsial Azevedo
Dizem entre si que uns tem asas e sabem voar. Outros não.
Eu nunca vi, as asas, e voar mesmo só quando estão mais atrasados que o normal. (E ele sempre estão anormalmente atrasados...)
Sei lá, deve ser o jeito deles de dizer coisas sem sentido, buscando um rumo. Fazem muito isso.
Porque pra nós, ainda é assim: se dizemos asas, então as batemos atrás das costas, soltando magia no ar, tomando cuidado para não rasgá-las em algum galho, ou amassá-las contra o vidro de algum aranha-céu.
E se dizemos voar... bem, aprendemos isso com as estrelas e os pássaros, e acho que sabemos bem o que estamos fazendo, sempre.
De: Marsial Azevedo
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Vento (Do Diário de bordo escrito para Thane)
Será que os amigos devem então se ver só de vez em quando, se abraçar forte num silêncio desesperado, aflito? Precisam ter um trabalho em comum, uma idéia única perpassando o coração, e só aí poder se olhar, ver o quanto estão todos bonitos e tristes, cheios de sonhos é verdade, mas tudo meio perdido, jogado num jardim grande demais?
E a tal luta unidos contra o poder, a revolução nas ruas cantando juntos a mesma música. os tiros, as prisões? Isso tudo vai ficar mesmo lá em 70, rodeado de neblina e misticismo, de esquecimento e ilusão?
Só porque fomos educados demais a gente não vai poder mais juntar 1000 pessoas na esquina, na rua, no coração? ...
Sabe, os deuses se cansam também, e das coisas que nós:
Da auto-mentira toda ensaiada, dos prestígios de gente burra, dos fracassinhos melados, repetidos.
Só a alegria dos deuses que eu não sei dar muito bem nomes, nem a dos homens, nem a minha ...
De: Marsial Azevedo
P.S: uma pena a HP estar com problemas e o desenho não estar aqui, mas outrora coloco. Bem, é um muro, uma lua crescente e um gato contemplando-a.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Oralidade
Quando despertei para as danças populares foi no chão da Serra Azul, rumo aos Bakairis, com uma barraca e um walk man velho, ainda de fita K-7.
Como aquelas pessoas todas dançavam em uníssono?
Queria conhecer aquela "magia" que unia seres em uma dança coletiva, numa sintonia, comungando de algo através do gesto comum.
O mesmo gesto que me levaria até os Mapuabas, em Uberaba/MG.
Primeiro passo era ir até o Conselho Afro falar com Sarú (Evaldo Alves Cardoso), no bairro Mercês, Rua Bento Ferreira. Além de ter sido muito bem recebida, Sarú me contou uma história que nunca esqueci "eu dava birra porque tinha medo de um andarilho e miha mãe falava, vou chamar o Sarú", era a lenda de seu pseudônimo, feito poetas, como Fernando Pessoa.
Estava presente também o Mestre de capoeira Café, Ubiraci (filho do Sol), o músico e amigo (agora bailarino) Marcelo Taynara.
Sarú me mostrou um mapeamento feito em Minas Gerais que demonstrou a riqueza cultural de Minas Gerais (BRASIL, Municípios com registros de comunidades quilombolas - Segunda Configuração espacial. Geógrafo Rafael Sanzio Araújo dos Anjos, MAPAS Editora: 2005), estando inscritos oficialmente 135 municípios, porém deve-se registrar que os Mapuabas não estão catalogados. Os Mapuabas e as histórias que se perpetuam através de mecanismos não-oficiais, através da oralidade.
A pesquisa sobre a transmissão oral de danças populares na Família Mapuaba pedia um processo de imersão, um dançar prévio antes de redigir, vivenciar a dança para saber observar seu processo de criação.
Maria Luzia Cardoso é a Griô quem ensina os gestos e cantos para o Terno de Congo dos Mapuabas, mestre e portadora da tradição oral.
Como aquelas pessoas todas dançavam em uníssono?
Queria conhecer aquela "magia" que unia seres em uma dança coletiva, numa sintonia, comungando de algo através do gesto comum.
O mesmo gesto que me levaria até os Mapuabas, em Uberaba/MG.
Primeiro passo era ir até o Conselho Afro falar com Sarú (Evaldo Alves Cardoso), no bairro Mercês, Rua Bento Ferreira. Além de ter sido muito bem recebida, Sarú me contou uma história que nunca esqueci "eu dava birra porque tinha medo de um andarilho e miha mãe falava, vou chamar o Sarú", era a lenda de seu pseudônimo, feito poetas, como Fernando Pessoa.
Estava presente também o Mestre de capoeira Café, Ubiraci (filho do Sol), o músico e amigo (agora bailarino) Marcelo Taynara.
Sarú me mostrou um mapeamento feito em Minas Gerais que demonstrou a riqueza cultural de Minas Gerais (BRASIL, Municípios com registros de comunidades quilombolas - Segunda Configuração espacial. Geógrafo Rafael Sanzio Araújo dos Anjos, MAPAS Editora: 2005), estando inscritos oficialmente 135 municípios, porém deve-se registrar que os Mapuabas não estão catalogados. Os Mapuabas e as histórias que se perpetuam através de mecanismos não-oficiais, através da oralidade.
A pesquisa sobre a transmissão oral de danças populares na Família Mapuaba pedia um processo de imersão, um dançar prévio antes de redigir, vivenciar a dança para saber observar seu processo de criação.
Maria Luzia Cardoso é a Griô quem ensina os gestos e cantos para o Terno de Congo dos Mapuabas, mestre e portadora da tradição oral.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Pureza
Como será descobrir a parte em nós que é eterna, imortal?
Será mesmo preciso tanta vela, incenso, água no choco, tambor na surdina? Chamar os guias, reverência, vidas passadas, talismãs? Limpeza astral, perdão coletivo, individual, ser perdoado também, por tudo, até por si mesmo?
Alquimias, mantras, pedras raraas, gente preciosa sem futuro (porque o passado já era mesmo, e nem era tudo isso), archotes ardendo, flores, mel, nudismo libertário? Viagem xamânica uma vez por mês dentro do parque florestal bagaceira no centro da cidade, encontro com a família estelar, saudação pra lua, pro fogo, pra chuva, pro caralho a quatro? Será preciso projetar nossa sensibilidade em tudo quanto é folha que cai na hora de um pensamento, em canto de bem-te-vi sobre a cerca, achar sinais até na formiga morta sendo levada pelas irmãs? Massoterapia com amigas em depressão, roda de macumba branca pra assustar os vizinhos, supertição na contagem de urubus no céu (um é gosto, dois é desgosto, três é casamento), runas, tarô cigano, i-ching e mapa astral pela internet, livro secreto de magia maldita, cheia de nomes impronunciáveis, maçã para gnomo, folha de palmeira pra fada feita de durapox, leite para criança chorando. E haja leitura esotérica, leitura de mão, de signos e senhas, de sonhos que se repetem, objeto que cai da parede (e nada de varrer os cacos pra filha não furar o pé, aí a menina se machuca e é tudo inveja dos outros), barulho na área de serviço (fantasma ou demônio?), comprar um telescópio caríssimo esperando extraterrestre aparecer pra dizer as verdades vindouras, futuras (e depois não ter dinheiro pra beber com os amigos e é tudo inveja dos outros). E reler todos os símbolos escondidos no Juízo Final, esperar 2012, rezar, orar, meditar, transcender (e comprar mais um dicionário pra saber escrever a mesma coisa com diversos nomes), descobrir a dança pessoal, a interpessoal, a transpessoal, a multipessoal, a caralhopessoal!, e buscar, almejar, querer, desejar, pedir, clamar, implorar, insistir (viu como funciona o dicionário?).
Ou só uma caminhada miúda sob o sol das cinco basta?...
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Unicórnio (Do livro "Mundos Miúdos", escrito por Marsial Azevedo para seu amor Vasni Ferreira)
O cavalo tentou ser comum.
Relinchou, trotou, comeu aveia,e spreguiçou-se no feno macio.
Mas à noite, sob o brilho frio das estrelas, fes todos sonharem:
O pai desbravou campinas interiores.
A mãe tornou-se rainha vestida de nada, feliz, feliz.
As crianças entenderam tudo e searam flores com os próprios dentes.
O cachorro viveu para sempre, como nunca...
Mesmo querendo, unicórnios não abdicam de seus mágicos chifres.
Relinchou, trotou, comeu aveia,e spreguiçou-se no feno macio.
Mas à noite, sob o brilho frio das estrelas, fes todos sonharem:
O pai desbravou campinas interiores.
A mãe tornou-se rainha vestida de nada, feliz, feliz.
As crianças entenderam tudo e searam flores com os próprios dentes.
O cachorro viveu para sempre, como nunca...
Mesmo querendo, unicórnios não abdicam de seus mágicos chifres.
domingo, 5 de setembro de 2010
Medo
"Tivesse medo? O medo da confusão das coisas, no mover desses futuros, que tudo é desordem. E, enquanto houver no mundo um vivente medroso, um menino tremor, todos perigam - o contagioso. Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros, ninguém tenha. O maior direito que é meu - o que quero e sobrequero -: é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim."
Grande Sertão: veredas
Guimarães Rosa
"Viver é muito perigoso", "viver é um descuido prosseguido", mas o jagunço, com tiro certeiro, afirma que "viver é etcétera". A infinidade de veredas que podemos perfilar na oração de nossas ações. As possibilidades podem estar sob as sombras dos nossos receios.
O homem e suas projeções, ações e omissões num mundo indiferente. Os conflitos humanos construindo e destruindo as teias de vivências. É necessário viver o paradoxo. Ser heroicamente autor de nossas covardias... Será? E a coragem de criar, de retalhar o medo na intimidade e desafiar o mundo como Riobaldo desafia ao lançar-se num pacto com o representante do Mal?
A coragem de construir alicerces para nossa incompletude. Assumir o risco pelo dano que podemos nos causar... "Viver é etcétera..." Riobaldo reacendeu a coragem na conquista de um novo espaço no mundo.
O mundo é indiferente, o mal é apenas uma projeção... O ser é o cerne de seu temor, o vir a ser e o não ser... os grandes interditos... O direito está em ser o único perigo real.
"Medo agarra a gente é pelo enraizado." Estar preso às raízes pode impossibilitar um olhar mais amplo para as conquistas dos novos horizontes. Presos às limitações dos sentidos, resta-nos permanecer na situação, culpando o medo e o remorso por nossa inação.
Na vida devemos valorizar nossas origens nas raízes que nos prendem aos solos, mas devemos construir nossas antenas para poder compartilhar as inovações do mundo e enfrentá-las com segurança.
"Só temos que temer o próprio medo." Edgar Morin, com outras palavras, afirma o direito declarado por Riobaldo e elabora o mistério "Todo mistério do mundo está no nosso espírito. Todas as estruturas do nosso espírito são projetadas ao exterior, sobre o mundo."
A realidade se perde, pois só pode ser concebida se o sentimento for iniciado no homem e nele terminar com a atitude de um pacto em que o medo passa a compor para um objetivo... Contudo, quando o homem perde a noção da extensão de si e dos seus atos, os sentimentos são projetados para o outro, o medo surge como a impotência de ser para si, como a negação de ser para o outro.
Guimarães Rosa desvenda os sertões, abre veredas de lucidez e sensibilidade por intermédio do jagunço Teobaldo. Quantas são as passagens que poderiam ser objetos de ensaios! Quantas exclamações salientam a pluralidade do homem! Quantos sertões existem a serem desbravados!
O final do romance umedece todas as sensações. A morte de Diadorim, o menino da travessia do São Francisco que cresceu, cruzou os sertões em vida de vingança e morreu em combate num corpo feminino, é toda a poesia. Neste momento a prosa de Guimarães Rosa é imagem, som e pensamento - as veredas, os versos a construir o poema-sertão.
O leitor, seduzido, vivencia a emoção sem poder decifrar a simbologia de tantas metáforas, envolve-se de forma plena sem ter a real percepção de suas emoções. O encontro de Teobaldo e Diadorim se dá na impossibilidade. O mistério se apaga nos finos lábios que, calados, se tornam sertão.
O ser humano na travessia, muitas vezes teme ousar por novas veredas, amedronta-se diante de novas abordagens - a incapacidade aniquila o paradoxo e estagna o homem na limitação do perigo aparente.
Guimarães Rosa ousou. Criou uma nova linguagem e inovou no desenvolvimento do enredo, retratando áridas vidas que compõem os sertões do mundo, sem temer a crítica. O grande desafio estava em transformar em literatura a sua percepção do mundo e dos semelhantes.
Ninguém teve o direito de lhe fazer sentir medo. Nós, leitores, admiramos sua coragem criativa e sua grande obra e devemos nos preencher das metáforas do caminho para assumir o pacto com nossa ambigüidade.
Conscientes de que o medo se instaura na ausência da força de uma realização. Concretizemos nossos ideais para estabilizarmo-nos diante da confusão das coisas num futuro incerto dentro da perspectivas dos caminhos que se descobrem nos primeiros passos.
Texto de autoria de Helena Sut
Bello
A partilha com Lucimar Bello foi um verdadeiro estímulo. Os Cartemas, a gentileza e a simpatia como estado de diferença foram atitudes que motivaram a vontade de ir adiante.
"Cada dia eu quero menos", assim Lucimar começava a exposição partilhada de seu trabalho de Pós-doutorado, que compilava em algumas palavras-chaves a essência de sua obra.
ESPINOSA FOUCALT GUATTARI ALMODOVAR LUIZ ORLANDI HÉLIO OITICICA LYGIA CLARK ANNA BELLA SARAMAGO CORTÁZAR...
A experiência de vida e atitude desta artista preencheu meu ser de uma fé lúcida e vontade de saber mais sobre o universo da oralidade.
Como a arte é transmitida pelo verbo? Como eram as rodas de fogueira?
A oralidade pressupõe um universo de criação pautado na presença, na imersão e no contato.
"A oralidade permite que a música fale e a dança responda", assim cantamos histórias e dançamos poemas (Griô).
Os criadores individuais podem transpor os conhecimentos para os gestuais resignificados.
Suzi Sperber afirma que "os diversos conceitos e preconceitos sobre a oralidade levam a que se tenha uma relação ambígua com ela. por um lado existe a valorização da oralidade e o reconhecimento de riqueza das memórias. Por outro lado, quer por preconceitos, quer por falta de cânones, ou padrões de interpretação ou de codificação, é difícil apreender o universo de referências. Por isto, um de meus empenhos deverá ir no sentido de codificar não propriamente a linguagem do corpo, mas a do relato, inferindo valores para a linguagem do corpo".
Atitudes anímicas subjacentes a cada caso. O que caracteriza o narrador popular é a experiência popular, é um modo de existência, que se mistura ao cotidiano da vida do brincante.
Ouvir, estar presente e escutar: Bello. Compartilhar visibilidades.
sábado, 4 de setembro de 2010
A Arte de Ator - De: Luís Otávio Burnier - LUME
Yan, alma para os índios. Estaria ela perdida, esquecida, ou em simples e imperceptível transformação? Uma transformação que por não ser muito percebida, vem a ser perigosa. Como lutar contra o que sequer percebemos, contra o que não se sabe? Será possível ter consciência daquilo que não se percebe?
A arte trabalha antes de mais nada com a percepção. Seu poder principal não está em o quê dizer, mas como. Quando atinge a percepção, é que ela revoluciona. É no inconsciente que encontramos nossa particularidade, nossa individualidade, mas também os elos que nos atam uns aos outros. E a arte, quando logra atingir nosso inconsciente, nossa percepção profunda, vasculha um universo equiparável ao dos sonhos, dos pesadelos, como desejou Artaud.
Mas atingir este universo interior, subjetivo, perceptivo, a arte precisa fazer uso de instrumentos materiais objetivos. Com freqüência se diz que o instrumento de trabalho do ator é o seo corpo. FALSO. O instrumento de trabalho do ator não pode ser o corpo. Não podemos transformar um defunto em ator. O corpo não é algo, e nossa pessoa algo distinto. O corpo é a pessoa. A alma o anima, mas sem ele não seríamos pessoas, mas anjos. Tampouco é o corpo vivo o instrumento de trabalho do ator. A arte é algo que está em vida, ou seja, algo que irradia uma vibração, uma presença. é o corpo-em-vida, como prefere Eugenio Barba, o instrumento do ator.
Existem, no entanto, como nota o próprio Barba, pelo menos duas dimensões interior. As duas formam uma unidade. Esta unidade, no âmbito do trabalho do ator, nem sempre é ou pode ser trabalhada como tal. Ela deve ser vista não como ponto de partida, mas como ponto de chegada. Pode-se, e é muitas vezes necessário, trabalhar estas dimensões separadamente.
No entanto, não se pode perder de vista a unidade. Trabalhar tão-somente a dimensão física e mecânica seria formar jovens belos e fortes, mas não necessariamente atores; trabalhar apenas a dimensão interior poderia ser terapêutico, mas tampouco formaria atores. Uma não existe sem a outra, mesmo que o enfoque possa estar momentaneamente concentrado em uma ou outra destas duas dimensões. A imagem usada por Artaud é novamente bem-vinda: atletas afetivos.
Se o corpo não é tão-somente corpo, mas corpo-em-vida, então ele é o canal por meio do qual o ator entra em contato com aspectos distintos de seu ser gravados em sua memória. O corpo não tem memória, ele é memória, como disse Grotowski.
Trabalhar o ator é, sobretudo e antes de mais nada, preparar seu corpo não para que ele diga, mas para que ele permita dizer. Não mostrar o que ele é, mas revelar o que, por meio dele, se descobre ser. Ser artista é antes de mais nada se predispor a revelar. A revelação pede generosidade e coragem. Uma máscara pode mesquinha e covardemente esconder, ou revelar, dilatando o que não se vê. Depende de como ela é usada. Um corpo também. Podemos nos esconder atrás de nosso corpo, de maneira a deixá-lo belo, e isto não ser uma forma de escamotear o que temos medo de ser ou demonstrar. Ou, ao contrário, por meio do corpo podemos revelar o que somos e sentimos.
O artista descobre por meio de sua arte o sentido das coisas. Ele não diz o sentido, nos permite descobrir um sentido. E, paradoxalmente, este sentido não está em outro lugar se não em nós mesmos. O artista e sua arte abrem, portanto, caminhos que nos permitem entrar em contato com nossa própria percepção profunda, com algo que existe em nós e está adormecido, esquecido. A arte não é senão uma viagem para dentro de nós mesmos, um reatar contato com recantos secretos, esquecidos, com a memória.
A busca do ator, assim como a de todo artista que quer algo mais do que um simples reconhecimento social e econômico, é a incontestável tentativa de reavivar a memória. A verdadeira técnica da arte de ator é aquela que consegue esculpir o corpo e as ações físicas no tempo e no espaço, acordando memórias, dinamizando energias potenciais e humanas, tanto para o ator como para espectador.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Sobre gatos
Ele gostava que os dedos arranhasse os sofás
Eu gostava do cheiro dele
1/2 bom
1/2 ruim
Répteis poros
Mesmo no escuro era possível ver a silhueta
Afundava as maças do rosto nas terras
o que me atrai nos gatos
é essa subterrânea existência.
Na vitrola Solano Trindade cantava em sol sustenido que o opressor não pôde fechar minha boca, nem maltratar meu corpo, meu poema é contado através dos séculos, Zumbi fio redimido...
1 copo de cachaça
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Setembro (quase Primavera) vamos de Oswald de Andrade
Para Dolur
meus oito anos
Oh que saudades que eu tenho
Da aurora de minha vida
Das horas
De minha infância
Que os anos não trazem mais
Naquele quintal de terra
Da Rua de Santo Antônio
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais
Eu tinha doces* visões
Da cocaína da infância
Nos banhos de astro-rei
Do quintal de minha ânsia
A cidade progredia
Em roda de minha casa
Que os anos não trazem mais
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais
* Nas edições de 1927 e 1945, está grafado "doce". Pareceu-me erro tipográfico. pois o adjetivo no singular não assume função estética especial neste verso, ao contrário do que sucede com o plural "laranjais", na última linha de cada uma das estrofes de que se compõe este poema-paródia.
meus oito anos
Oh que saudades que eu tenho
Da aurora de minha vida
Das horas
De minha infância
Que os anos não trazem mais
Naquele quintal de terra
Da Rua de Santo Antônio
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais
Eu tinha doces* visões
Da cocaína da infância
Nos banhos de astro-rei
Do quintal de minha ânsia
A cidade progredia
Em roda de minha casa
Que os anos não trazem mais
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais
* Nas edições de 1927 e 1945, está grafado "doce". Pareceu-me erro tipográfico. pois o adjetivo no singular não assume função estética especial neste verso, ao contrário do que sucede com o plural "laranjais", na última linha de cada uma das estrofes de que se compõe este poema-paródia.
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